sexta-feira, 26 de outubro de 2007

Na fila do cinema - Sobre Gabriela

Ir ao cinema sozinho não é um hábito padrão às pessoas normais. Era o que Gabriela achava. Também achava que não se encaixava no grupo das pessoas normais. Mas era tão normal que às vezes gostava de sair sozinha e fugir da rotina de blá bla blá do dia-a-dia. Achava também um tédio aquelas pessoas com cara feliz só por estarem acompanhadas para assistir um filme. Achava uó marcar encontros amorosos num shopping. Se fosse o primeiro, pior ainda.
Naquele dia ela tinha acordado com aquela típica vontade de pessoas normais de passar o dia só, sair na rua com óculos escuros e não olhar para os lados para não encontrar ninguém conhecido. Ela tinha acordado com uma ressaca fenomenal, passou a noite num bar tomando uma cerveja que não lembra o nome.
Gabriela sempre foi prolixa. Exercia essa função desde os tempos de grêmio estudantil do seu colégio. Mas era reservada quando o assunto era relacionamento.Com meninos ou meninas. Apesar de tanta expressão tinha poucos amigos, considerava totalmente antagônico conhecidos e amigos. Considerava-se uma pessoa feliz, mas não acreditava na felicidade completa de todo o mundo ao mesmo tempo. Defendia com muita euforia "sua" tese de que as pessoas nascem boas e ficam más ao longo da vida, das pessoas e dos acontecimentos. Defendia o governo de seu país com muito entusiasmo (como se aquilo pudesse ser chamado de governo). Porém tinha uma coisa que a deixava totalmente introspectiva e irreconhecível: o ar de
Gabriel.

quinta-feira, 11 de outubro de 2007

Na fila do cinema

Ele era testemunha de tudo o que ela fazia. Ele sempre ficava olhando e pensando nada, porque ele não tinha como pensar. E se pensasse não chegaria a maiores conclusões senão de que ela era uma louca e não sabia o que fazia. Ele era tão desprovido de opiniões que na época do plebiscito do desarmamento só saiu de casa para ir ao Correio e justificar seu voto. É aquele típico brasileiro que sempre acha que sua opinião não importa e não faz diferença. O que ele pensa nunca condiz com o certo, seja lá o que for o certo.
Gabriela adorava discussões sobre política, meio ambiente e gosto musical. Estava sempre metida em botecos falando sobre os problemas sociais. Ele sempre a acompanhava, e sempre ficava só na cerveja. Se opinasse alguma coisa era para escolher a marca da tal, porque a única coisa que ele não admitia era tomar cerveja ruim. Bom, está ai uma coisa que ele tinha opinião, mas perto dos debates de direita e esquerda de Gabriela isso não era nada. Gabriela sabia disso, mas mesmo assim achava a companhia dele indispensável e agradável. Os outros sempre se perguntavam o que Gabriela vazia com aquele ser tão fútil ao lado dela.
Gabriela conhecera Gabriel na fila do cinema há exatos 2 anos e 2 meses. Ele era o último da fila quando Gabriela chegou. E um ser que usava roupas estranhas e largas resolveu furar a fila na frente de Gabriel, que só fez cara feia e não falou nada ao estranho garoto. Gabriela com todo seu ar de superioridade que lhe era praxe começou a xingar o garoto, até que este foi para o final da fila. Olhou para Gabriel e soltou:
- Têm pessoas que acham que são os donos do mundo!
- Aham.
Gabriela odiava ahans, mas sentiu no fundo que aquela pessoa sem opinião tinha um toque especial. Sentaram-se na antepenúltima fileira para assistir ao filme. Lado a lado.
Na verdade quem sentou naquele lugar foi Gabriel. Gabriela só o seguiu, pois sentiu que não poderia perdê-lo de vista. Nunca mais.
Ele sempre fora assim. Sempre foi atrás das coisas que lhe pareciam aprazíveis. Tinha um olhar mágico para pessoas mágicas. Foi assim que se conheceram.
Continua...

terça-feira, 2 de outubro de 2007

Ligação perdida

Eu estava me exibindo pra solidão. Eu tenho este maldito costume de deixar de fazer as coisas por medo. Afinal, é mais fácil dizer que eu estou com medo a assumir as coisas que eu devo fazer. É mais fácil e abusivo comigo mesma. Eu não deveria deixar-me ser tão abusiva assim. Será que eu não sei que as coisas acontecem uma só vez e que as pessoas cansam de esperar?
Daí surge do nada uma superpessoa e coloca as tuas idéias no lugar. Te xinga e te faz ver que o buraco é mais embaixo.
Ela andava tão perdida e desesperada que até o tinha esquecido. Temporariamente. Depois de olhar o celular tocando e desliga-lo pela décima vez só naquela tarde, ela resolveu que da próxima vez iria atendê-lo. Foi só ela tomar essa decisão que o telefone não tocou mais, nem naquele dia, nem naquela semana. As coisas sempre aconteciam assim na vida de Clarice. Ela esqueceu o telefone e continuou a pintar seu quadro, afinal a exposição já estava se aproximando e seu último quadro ainda estava pela metade. Nos últimos dias o trabalho dela não estava rendendo tanto quanto nos primeiros meses após sua volta de Buenos Aires. Parece que sua volta não a tinha feito bem. Assim como não tinha agradado a ele.
Na segunda feira pela manhã Clarice saiu para ir ao banco pagar umas das muitas contas acumuladas na viagem. Ela saiu com a pior roupa que podia. O dia estava nublado, era segunda feira, aliás, então com aquela roupa Clarice demonstrou todo seu astral matinal. Na fila do caixa eletrônico Clarice teve sua maior surpresa após sua volta. Ela o viu. A roupa dele não era das melhores também, mas isso não importava no momento. Momento que demorou sete meses para acontecer. Diálogo não existiu ali. Um abraço tomou conta dos 75 segundos seguintes daqueles dois idiotas que esqueceram tudo que tinha acontecido nos últimos dois anos.
-Telefone existe para que Clarice?
-Para eu não atender.
Foram para a casa dela e lá recuperaram as ligações perdidas.